2024-09-30

Muito além da agenda ESG: por que as mulheres são importantes para a indústria?

Quando não criamos as condições para a mulher não abandonar a carreira e conciliar trabalho e vida pessoal --ainda que este cenário seja muito mais complexo e envolva diversas condições culturais externas, originadas fora de nossos muros e em um passado muito remoto--, perdemos a capacidade caminharmos rumo à pluralidade e entendermos novas perspectivas.

Roberta Silvestre*

É fato que a indústria sobrevive da inovação e não fazendo mais do mesmo. Seja por meio de novos produtos ou serviços, criar diferenciação sempre foi uma máxima para o setor.

A pluralidade de pensamentos é, portanto, essencial. E se até um passado muito recente eram os homens que atuavam nas indústrias e que detinham quase que exclusivamente o poder de tomar as principais decisões, é cada vez mais comum vermos a atuação feminina neste ambiente. E isto é muito bom. 

Mas estamos longe da equidade de gênero. Elas ainda são minoria e em muitas organizações recebem salários menores, ainda que ocupem cargos equivalentes aos dos homens. E precisamos falar disto, não por mero modismo ou pelo tema, atualmente, ser foco de ampla discussão a partir da chamada agenda ESG. É importante para avaliarmos a própria indústria, seus caminhos e seu papel na sociedade.

Pensando no segmento de alimentos e bebidas, com o qual atuamos aqui de forma próxima, vale uma reflexão: de forma geral, as mulheres têm grande poder de decisão no momento das compras. Pesquisa recente da Neogrid e Opinion Box mostra que, no momento da compra, o quesito preço é o mais importante (66% dos brasileiros o priorizam). E este mesmo estudo revela que são as mulheres as mais atentas ao custo para prosseguir com uma compra (81%). Estes dados podem nos trazer então uma reflexão do porquê ter mulheres em cargos de primeiro escalão, por exemplo, pode ser estratégico para o negócio, pois essa representatividade pode ser muito relevante na hora de definir estratégias para atingir o consumidor final. 

Dados do Observatório Nacional da Indústria, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), mostram que, entre 2008 e 2021, houve aumento da participação das mulheres em cargos de gestão no setor, passando de 24% para 31,8%. Contudo, em pesquisa divulgada em 2023, o Fórum Econômico Mundial estimou que seriam necessários 131 anos para alcançar a igualdade entre os homens e mulheres, se os países mantiverem a velocidade atual de progresso econômico, em saúde, educação e participação política. 

O que é possível dizer sobre o ecossistema da indústria é que existe ainda um paradigma a ser quebrado muito além destes muros, pois ele é cultural. Ainda é possível ver mulheres deixando suas carreiras em segundo plano em prol dos cuidados com a família, o que menos comumente vemos acontecer com homens. Ou o senso comum de que algumas profissões “não foram feitas para elas”, de que na indústria, “o trabalho é pesado”, então não é um ambiente amistoso para elas. 

Em qualquer destes cenários, enquanto indústria, nós perdemos quando uma mulher abandona sua carreira. Quando não criamos as condições para que ela possa conciliar trabalho e vida pessoal --ainda que este cenário seja muito mais complexo e preenchido de diversas condições culturais externas, originadas fora de nossos muros e em um passado muito remoto--, perdemos a capacidade de caminharmos rumo à pluralidade e entendermos novas perspectivas.

Falando de condições externas e utilizando como exemplo uma área muito relevante para a indústria, a engenharia, as mulheres ainda são minoria. Dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da pesquisa “Estatísticas de Gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil”, revelam que em 2021, elas representavam apenas 21,6% do total de estudantes matriculados em cursos de engenharia no Brasil. 

Por outro lado, é comum ver currículos de mulheres muito mais recheados de cursos, desde graduação a pós-graduação, se comparados a de homens que ocupam o mesmo nível hierárquico. Novamente, aqui o viés cultural, muito provavelmente impondo exigências maiores às mulheres para provar sua competência.

Como podemos, enquanto indústria, contribuir para uma mudança neste quadro, a fim de pavimentar um caminho em que elas cada vez mais estejam inseridas em nosso cotidiano e, assim, contribuam para novos olhares de dentro para fora, com benefícios efetivos para o negócio?

Claro, somos parte de um problema muito mais complexo. E creio que cada empresa vá encontrar seu próprio caminho na inclusão feminina. Mas eu diria que estabelecer parcerias nunca é demais. Programas conjuntos com clientes, fornecedores e até mesmo com a iniciativa pública podem ser bons caminhos. E eles precisam ir além da atração e retenção. 

Faz-se importante, também, um foco no empoderamento, no sentido de torná-las confiantes em sua própria capacidade – já que este é ainda um problema mais comum do que imaginamos, infelizmente. A indústria que encontrar o caminho para aumentar a participação feminina em seu quadro, certamente, terá uma vantagem competitiva, seja agora ou no futuro.

*Roberta Silvestre é diretora de Recursos Humanos da Tetra Pak Brasil