2024-10-21
por Marco Dorna*
É preciso escala, ou seja, é necessário compromisso dos setores privado e público diante dessa verdadeira batalha e exemplos não faltam como inspiração.
A emergência climática tem exposto e aprofundado mazelas na sociedade global, como fome, pobreza e desigualdades de toda ordem. Uma delas, e que de uma certa forma resume esse cenário, é o racismo ambiental, que condena a parte mais vulnerável das pessoas a sofrer suas consequências mais graves.
Numa espécie de respiro, vemos muitas, mas muitas mesmo, ações práticas de organizações não governamentais que buscam combater o racismo ambiental. Há resultados importantes, não tenho dúvida disso, mas pontuais e sem a visibilidade merecida. Mas é preciso escala para vencer essa guerra, ou seja, é necessário compromisso dos setores privado e público e exemplos não faltam como inspiração.
De forma resumida, o conceito sobre racismo ambiental é relativamente novo, datado da década de 1980, e serve para ilustrar como a degradação e catástrofes ambientais - como enchentes, secas, contaminação, entre outros - impactam de forma mais severa as populações das periferias, marginalizadas. E, como resultado de séculos de escravidão no Brasil e ainda uma dívida histórica, estamos falando basicamente de pessoas pretas, pardas e indígenas, quase sempre apartadas das ações do Estado.
Tomando como base o Censo 2022, diversos recortes comprovam como o racismo ambiental tem afetado essa população de maneira intensa. Entre eles: cerca de 9,1% da população não tem acesso à coleta direta ou indireta de resíduos, sendo que a região Norte - a mais pobre do país - tinha a pior taxa (21,5%). O acúmulo de lixo tem vários efeitos na saúde pública, podendo contaminar o solo, os lençóis freáticos, os rios e os poços usados para o abastecimento de água. Algo que piora em cenários de enchentes, por exemplo.
Talvez por isso, o papel de ONGs seja fundamental para minimizar esses efeitos e, muitas vezes, as ações saem de dentro da própria comunidade. Cito como exemplo o projeto Pantanal Próspero, do Coletivo Pantanal em Ação, de Fortaleza (CE), que leva a centenas de pessoas alternativas de trabalho e desenvolvimento sustentável.
Essa, e outras ações semelhantes, estão descritas no livro que em breve será lançado "Racismo Ambiental no Brasil - Narrativas de Injustiça e Esperança", de Fabio Camatari, meu parceiro de trabalho e que teve a sensibilidade de dar holofotes a uma dezena de projetos sociais capitaneados por ONGs e que combatem de frente o racismo ambiental. Vale cada centímetro de leitura.
Sabemos, no entanto, que estamos diante de um cenário que envolve milhões de pessoas afetadas diariamente pelo meio ambiente e que amplifica as desigualdades sociais e econômicas. Por isso, políticas de enfrentamento devem ser efetivamente criadas e tiradas do papel, com atuação não apenas do poder público, mas também da iniciativa privada.
Sem isso, haverá maior escassez de alimentos, migração em massa, enchentes e enxurradas e seca extrema afetando com intensidade essas populações mais vulneráveis, o que atingiria em cheio o bem-estar de todos no limite, além de danos econômicos.
Se todos os atores se envolverem de forma mais assertiva no enfrentamento dessa questão tão ampla, mais rápidas e efetivas serão as soluções. Obviamente todos têm a ganhar.
* Marco Dorna é presidente da Tetra Pak.