2024-09/25

IA e Sustentabilidade: futuro inerente, presente a ser construído

por Marco Dorna*

alt text here

Não adianta aqui trazer repostas, mas sim alertar para que as perguntas iniciais sejam escritas com os valores e estratégias boas para todo mundo: setores público e privado e sociedade

Esse é um texto que já nasce obsoleto. Na verdade, todo e qualquer texto falando sobre Inteligência Artificial (IA) nasce defasado atualmente. Sem dúvida alguma podemos dizer que, baseado na velocidade alucinante em que essas tecnologias se desenvolvem, vivemos hoje o dia mais lento do resto de nossas vidas.

De modo muito simples, IA é a capacidade que um computador ou uma rede de computadores tem de executar tarefas complexas e reproduzir capacidades humanas, tais como criar textos, compor músicas, reconhecer objetos e até tomar decisões e resolver problemas complexos. Tudo isso de maneira muito mais rápida do que qualquer ser humano.

A IA, enquanto tecnologia, não é nova. A “Máquina de Touring” (1936) é tida como muitos a fundação do que hoje conhecemos como IA, sendo o termo posteriormente cunhado oficialmente na década de 1950. Mas novembro de 2022 marcou definitivamente um momento fundamental nesta história. Quando a Open AI disponibiliza o ChatGPT para uso aberto e público, todos nós sentimos “de repente” o que “gradualmente” se desenvolverá ao longo dos anos.

A IA já faz parte do nosso futuro. Falo futuro porque, apesar de ser um dos assuntos mais relevantes entre sociedade, empresas e governos já agora, sua construção ainda está ocorrendo. Mas, independentemente do caminho que será adotado, ela não tem volta e é considerada como um dos principais eventos disruptivos que a humanidade já passou - senão o primordial. Ela muda o eixo e a lógica linear da produtividade tal como a conhecemos.

Enquanto escrevo este texto, existem muito mais dúvidas do que certezas nesta arena. Muito mais importante do que respostas sejam talvez as perguntas a serem feitas. Da necessária regulamentação global ao impacto líquido no mundo do trabalho; do potencial (e possível) alcance da chamada AGI (Inteligência Artificial Geral, níveis cognitivos humanos) aos mais diversos dilemas subsequentes em nossa sociedade e humanidade. É difícil não se deixar levar por polarizações e discursos que vão de um mundo catastrófico e distópico à Era da Abundância.

Honestamente acredito que ainda temos tempo para optar pelo caminho correto, aquele que usa todas as potencialidades que a IA tem para aumentar, ou levar onde é necessário, a qualidade de vida da população global e ajudar na resolução de nossos maiores dilemas. E isso quer dizer que a IA precisa também ser pensada sob a ótica da sustentabilidade, seus impactos no meio ambiente e nas pessoas.

Mas quero reforçar que, também neste trajeto, há espaço para atividades econômicas, onde a produtividade deve continuar como um dos seus nortes. Resumindo: IA e sustentabilidade, se corretamente ajustadas numa engrenagem funcional, podem também servir para melhorar a economia.

A IA pode e deve ser usada também para trazer soluções eficazes e perenes aos nossos imensos desafios em sustentabilidade. Só para citar alguns: urgência climática e fome.

Recente pesquisa da PwC, em conjunto com a Microsoft, analisou quatro setores produtivos (Agricultura, Energia, Transporte e Água) aplicando experiências em IA, ciência de dados e economia e sustentabilidade para tentar mensurar os benefícios dessa ferramenta em termos econômicos e ambientais. Muitas boas respostas foram levantadas, mas também situações que acenderam o sinal vermelho, inclusive no campo social. “Em outras palavras, há um caminho para um futuro próspero, justo e mais sustentável com tecnologias avançadas”, resume a pesquisa. Com IA usada em sustentabilidade, o Produto Interno Bruto (PIB) global pode crescer até 4,4% e gerar até 38,3 milhões de empregos.

Se há, agora, um sem-número de caminhos que podem ser adotados e nenhum deles já pode ser considerado o definitivo porque ainda engatinhamos com a IA, então não adianta aqui trazer repostas, mas sim alertar para que as perguntas iniciais sejam escritas com os valores e estratégias boas para todo mundo: setores público e privado e sociedade.

Uma delas é: como a IA vai ajudar no combate eficaz às urgências climáticas que enfrentamos? Já falei algumas vezes sobre isso: sem combater o aquecimento global, as condições de vida humana serão - já estão, na realidade - afetadas negativamente e, como uma das consequências, não haverá força para garantir atividades econômicas. É uma bola de neve.

Outro exemplo de valores inegociáveis é buscar soluções para que o mercado de trabalho, impactado pela IA, seja transformado para que as pessoas não percam simplesmente seus empregos, mas que elas tenham acesso à educação capaz de inseri-las neste novo contexto. Aqui, entenda-se ainda políticas públicas e legislações competentes.

Além disso, é preciso que a própria IA seja sustentável. Em estudo recente do Goldman Sachs, foi estimado que um prompt no ChatGPT utiliza até 10 vezes mais energia do que uma simples busca no Google. Em seu Relatório de Sustentabilidade lançado neste ano, o próprio Google estima que suas emissões de gases de efeito estufa aumentaram em 48% desde 2019. Em um mundo de incertezas, este é um problema certo e real: na medida em que tecnologias de IA são integradas e disponibilizadas ao público e mais recursos computacionais são necessários, as metas globais de redução de CO2, Net Zero e Neutralidade Carbônica passam a ser dramaticamente desafiadas em nível global.

A IA é um caminho sem volta mesmo, mas sua construção será fundamental para levar a humanidade para um futuro sustentável. Todos nós, e incluo o setor produtivo privado, não podemos nos perder antes mesmo de ampliarmos a caminhada rumo a esse futuro.

*Marco Dorna é presidente da Tetra Pak