2024-04-10

Nova cesta básica no Brasil: oportunidades nutricionais, ambientais e de negócios

Voltar os olhos para uma dieta menos processada requer tecnologia, porque ela serve justamente para melhorar escalas de produção, acesso e preços do que pode ser consumido numa alimentação mais saudável

Marco Dorna*

 

Em meio a um cenário de fome e insegurança alimentar importante no Brasil e no mundo, aliado a problemas ambientais e sociais, diversos planos e ações são divulgados constantemente para tentar minimizar esse quadro. Aqui, recentemente, chamou a atenção a publicação de um decreto pelo governo federal instituindo uma nova Cesta Básica com foco tanto na melhora da alimentação da população quanto no manejo de questões ambientais. 

Já seria mais do que suficiente para receber apoio de todos, mas vou adiante: vejo também possibilidades de negócios para muitos setores produtivos privados, ainda mais com o mundo dos negócios cada vez mais demandado por questões sociais e ecossistêmicas. E é sobre isso que quero falar neste artigo, trazendo pontos que espero servirem de estímulos a estratégias produtivas.

 No mês passado, foi divulgada a lista de produtos que compõem a nova Cesta Básica brasileira que, de modo resumido, fortemente recomenda o consumo de alimentos “in natura” e minimamente processados, de preferência produzidos respeitando as sazonalidades, culturas e tradições locais. A nova relação, que deve servir ainda para orientar compras governamentais e políticas agrícolas, também leva em consideração alimentos e bebidas produzidos respeitando o meio ambiente.

Unir nutrição, regionalização e meio ambiente faz todo o sentido quando se sabe que os sistemas alimentares responderam por 73,7% (1,8 bilhão de toneladas) das 2,4 bilhões de toneladas brutas de gases de efeito estufa lançadas pelo país na atmosfera em 2021, segundo levantamento inédito do Observatório do Clima divulgado no final do ano passado.

Ao mesmo tempo, outro estudo publicado na Revista de Saúde Pública com profissionais da USP intitulado “Pegada de carbono da dieta no Brasil” mostrou que essa pegada excedia em cerca de 30% a de uma alimentação humana que poderia atender, simultaneamente, requisitos nutricionais saudáveis e a meta global de contenção do aumento da temperatura média do planeta.

Ou seja, mais uma vez a Ciência trazendo dados irrefutáveis de como estão sendo tratados o planeta e a saúde das pessoas, mas também mostrando que há caminhos com soluções. E isso significa, para o setor privado, oportunidades de negócios, novos desenvolvimentos e atração de consumidores e funcionários, sobretudo os mais jovens, cada vez mais ligados a propósitos sociais e ambientais.  

Quando eu falo em oportunidades de negócios dentro deste contexto, englobo uma cadeia imensa de atores, que vão desde fornecedores de matérias-primas e serviços a grandes indústrias e varejistas, todos envolvidos na gigante cadeia de alimentos. E, para todos eles, voltar os olhos para uma dieta menos processada requer tecnologia, porque ela serve justamente para melhorar escalas de produção, acesso e preços do que pode ser consumido numa alimentação mais saudável. Em resumo: espaço para diversidade de produção e ganhos aos stakeholders.

E aqui entro em outro ponto muito relevante, em especial neste momento, mas que estamos sendo progressivamente afetados: a inflação de alimentos, cada vez mais impulsionada pelas mudanças climáticas duras. Só neste ano, aos preços de alimentos e bebidas no Brasil acumulavam alta de 3,45% pelo IPCA-15 de março, praticamente o triplo ao 1,46% do indicador total.

Ou seja, é urgente que o setor produtivo trabalhe para garantirmos acesso, ao mesmo tempo, a alimentos saudáveis e com maior durabilidade e que ajudem na preservação ambiental. Em uma escala menor, mas que pode servir de exemplo concreto de sucesso, foi trazido em recente estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), também uma ação pública.

Segundo a entidade, o acesso ao programa aumentou a renda bruta média anual dos agricultores familiares em 24% em oito anos, mas com salto de 45% entre os 10% mais pobres. O PAA busca fomentar a agricultura familiar através de compras dos alimentos de produtores locais e a distribuição para pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional, além de restaurantes populares, cozinhas comunitárias e bancos de alimentos.

Especificamente neste artigo, fiz questão de trazer mais dados concretos sobre o tema para embasar, com Ciência, que o sistema de alimentos deve andar de mãos dadas com meio ambiente e questões sociais e, mesmo assim, tem todas as condições para continuar gerando valor às empresas que fazem parte da cadeia. 

É preciso que cada um de nós faça a lição de casa, buscando soluções e inovações de negócios com tais propósitos dentro da sua esfera de atuação, formando uma espécie de onda positiva que impacta a todos numa escala maior. Assim, vamos conseguir enfrentar nossos desafios, que não são poucos.  

 

*Marco Dorna é presidente da Tetra Pak.