2023-07-03

Reciclagem, equação que deve unir empresas, governo e sociedade em prol da transformação

Por Valeria Michel, diretora de Sustentabilidade da Tetra Pak Brasil e Cone Sul e presidente do Compromisso Empresarial para a Reciclagem (CEMPRE)

O ato de transformar é inerente ao ser humano e permeia a nossa evolução enquanto espécie nas constantes buscas por inovação. Abordar essa importância – e necessidade – de transformar, tão próprias do ser humano, parece adequado para introduzir algumas discussões, já que o Brasil é um país repleto de oportunidades – e de desafios – quando pensamos em reciclagem.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), aprovada em 2010 pela Lei nº 12.305, foi um passo importante para que a gestão de resíduos sólidos no país fosse tratada sob uma perspectiva de responsabilidade compartilhada, em que poder público, iniciativa privada e sociedade atuem de maneira conjunta para a implementação de sistemas efetivos para a correta gestão, descarte e reciclagem dos materiais.

No entanto, apesar da existência da PNRS e de alguns avanços, o cenário da coleta seletiva e da reciclagem no Brasil ainda tem espaço para evolução. A pesquisa Ciclosoft 2023, recentemente publicada pelo CEMPRE, mostra que, em um universo de 5.760 municípios, apenas 21,7% cobrem mais da metade de sua população com o serviço de coleta seletiva porta a porta. E aqueles que implementam apenas a modalidade de Pontos de Entrega Voluntária têm volume de material coletado seletivamente muito abaixo dos municípios que oferecem coleta porta a porta. A pesquisa ainda revela que cada brasileiro gera 359,3 kg de resíduos sólidos urbanos por ano, dos quais apenas 13 kg (só 3,6%) são coletados seletivamente.

Portanto, cada um dos atores envolvidos na cadeia de reciclagem e que dela participam de maneira colaborativa, contribuindo para a coleta e destinação correta dos resíduos sólidos, é essencial para que a PNRS funcione plenamente e alcance seus objetivos. Isso significa a necessidade de uma atuação efetiva do governo na implementação de infraestrutura para a coleta seletiva nos municípios, da iniciativa privada, suportando a estruturação e desenvolvimento da cadeia e também o envolvimento dos demais elos como os catadores, cooperativas, associações e o cidadão neste processo.

No caso das empresas, há ainda espaço para que atuem na transformação do cenário da reciclagem no Brasil, demonstrando de forma efetiva e com ações práticas o compromisso com essa cadeia e com a economia circular de seus produtos. Infelizmente, esta percepção só existe em algumas organizações privadas. Embora o tema ESG seja muito mais amplo do que reciclagem, a pesquisa “Panorama ESG Brasil 2023”, conduzida pela Amcham Brasil, traz alguns dados de referência para nossa reflexão: apenas 12% das empresas se consideram pioneiras e referências em ESG e 35% buscam adotar melhores práticas.

Temos um bom caminho para tentar solucionar esta questão no Brasil quando governo, empresas e sociedade civil conseguem, juntos, conduzir projetos para transformação da realidade. Assim, são necessárias ações não apenas para reduzir a geração de resíduos, mas para gerar hábitos de consumo mais sustentáveis e para criar estratégias de promoção da reciclagem e da economia circular.

Um exemplo interessante é o projeto Recicla Cidade, uma Parceria Público-Privada (PPP), iniciada em 2018 e que já passou por 21 cidades de São Paulo, sendo sete destas no ABC paulista em 2022. No último ano, além de coletar mais de 12 mil toneladas de recicláveis, atuou na capacitação de 114 cooperados e desenvolveu 236 ações de educação ambiental, capacitação e engajamento social, com mais de 176 mil pessoas impactadas. O projeto, idealizado pela iniciativa privada, é executado por uma ONG e tem como diferencial o foco na mobilização social e educação ambiental, por meio do envolvimento do poder público e da comunidade com campanhas de conscientização. Adicionalmente, o projeto estimula a criação de políticas públicas nos municípios onde é implementado, demonstrando na prática que é possível uma parceria entre governo, empresas e sociedade.

Além de modelos como este que engaje cada uma das partes envolvidas, outro desafio é o aumento de soluções em grande escala para a reciclagem, algo que passa necessariamente pelo desenvolvimento de tecnologias que possibilitem o aumento da capacidade instalada das recicladoras ou sistemas de triagem de recicláveis mais automatizados, que facilitem o processamento de grandes volumes de materiais. Porém, essa evolução precisa ser pensada de forma a integrar os trabalhos já realizados hoje pelas cooperativas e catadores autônomos de materiais recicláveis, que são tão fundamentais no modelo brasileiro.

Fica, então, o questionamento do que mais podemos fazer enquanto governo, empresa e sociedade para avançarmos neste tema. Um dos significados de reciclar, pelo dicionário Michaelis, é “aproveitar produtos manufaturados após o seu descarte, para a fabricação de novos produtos”. Muito além do sentido denotativo, o termo tem a ver com novo ciclo. Com repensar as estruturas e mudar realidades.

E assim no longo prazo, finalmente alcançaremos um modelo mais eficiente de coleta seletiva e reciclagem, que além de reduzir o impacto ambiental dos resíduos, irá fomentar transformações positivas na sociedade. É tudo uma questão de evolução, seja ela de prioridades, ideias ou atitudes.

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